Conselho de Alto Impacto e o Futuro da Empresa

Sumário

Começo o texto com uma frase nada original: “vivemos em um mundo cada vez mais complexo e cada vez menos previsível”.

Ora, isso sempre foi assim. E sempre será. A complexidade do mundo é sempre crescente. Entender isso é estabelecer a premissa fundamental da compreensão do mundo em que vivemos e é o primeiro passo para entender como conviver com a incerteza e a complexidade de forma saudável (e serena).

Uma ideia para pensarmos: o primeiro cabo telefônico transatlântico (1956) foi uma revolução. Ele deu a perspectiva de que governos soubessem do que ocorre no outro lado do Oceano Atlântico em tempo real – uma necessidade naquele contexto da Guerra Fria. Mas – paradoxalmente – saber disso não tornou o mundo mais tranquilo: a informação mais disponível tornou a necessidade de reflexão analítica mais constante. E quanto maior a massa de informações que nos chegam em tempo real, mais precisamos estar constantemente atentos e ser permanentemente analíticos.

Esse é o tal mecanismo que gera uma típica “ansiedade corporativa”. Muita informação e em fluxo constante. Todas as novidades e disrupções na tela do dashboard ou no LinkedIn neste exato momento.

E qual o problema? A grande questão é que as decisões das organizações tradicionais levam tempo para tudo: para entender o contexto, para amadurecer ideias, para comparar opções, para comunicar a decisão e mobilizar o time, tempo para investir e implantar. E corre o risco de que, antes do final desse processo, tudo esteja obsoleto pelas novidades que chegam em tempo real. Ou seja: a ansiedade parece estar justificada…

Porém, criar o futuro neste mundo imprevisível permanece necessário.

Toda empresa que almeja se perpetuar no tempo precisa projetar seu futuro – e deve fazer isso na posição de protagonista. Turbulências e incertezas adicionam o risco na concepção de objetivos de longo prazo e, por isso, a organização deve buscar uma visão clara e firme sobre seu futuro, caso contrário ela comunicará mal a sua base estratégica para todos os atores e stakeholders, implicando dificuldades de convergência no processo de tomada de decisões.

A proposta unificadora das estratégias e táticas de uma organização será aquela visão de como ela se vê no logo prazo. Tudo o que ela faz deverá levar para lá, onde ela quer estar. o seu propósito!

Um board de alto impacto que ajuda a empresa em diversas dimensões

O futuro é construído nas ações e decisões de hoje. Não é construído naquele hotel em que o C-Level, o conselho da empresa e mais algumas pessoas se reuniram ao sábado para falar sobre planejamento estratégico. De lá, nasceram a visão, a missão e todos seus acessórios. Mas isso tudo sairá do Power Point para a realidade somente na ação do dia a dia.

Um bom e eficiente conselho cuidará de aprovar seus relatórios contábeis e financeiros, aprovará planos de ação do nível executivo e deliberará sobre decisões importantes.

Com toda a clareza de visão, Eduardo Gomes, MBA, CCA IBGC, facilitador do Programa de Formação da Conselheiros Consultivos da Board Academy Br, apontou que os conselhos de alto impacto vão além. Eles incluem fatores como:

·         Reconhecimento das individualidades e do poder da diversidade;

·         Capacidade de dar e receber feedbacks;

·         Transparência e abertura, que leva à construção de confiança;

·         Bem da empresa e coletivo como foco, sem espaço para interesses individuais;

·         Empatia e tratamento digno como princípios éticos;

·         Visão prática e habilidade para trabalhar em colegiado.

Com estas características, começamos a entender o papel de um conselho de alto impacto. Além daquelas funções legais e/ou estatutárias, ele será apoio, guia e validação da estratégia e de sua comunicação com a empresa e stakeholders. Isso ocorrerá dentro da empresa nas suas ações cotidianas – que quanto mais alinhadas ao que se quer construir e com a cultura da empresa (propósito!), mais provável será o sucesso. O conselho de alto impacto, portanto, atua em camadas mais profundas da organização, de forma proativa.

É claro que o conselho de alto impacto – e seus conselheiros – olha também para o contexto de fora da empresa, de forma a garantir a consistência da estratégia com a realidade. É neste momento em que nos deparamos com o ambiente cada vez mais turbulento, imprevisível e acelerado. E aqui, o conselho deve ser “mapa e bússola”, para que os executivos possam ser “leme e vela”.

A realidade impacta os negócios de forma não-linear e muitas vezes bastante indiretas. O conselheiro que se digna a trazer valor para a organização a qual serve deve estar atento ao que o mundo está apresentando hoje, fazendo nexos entre o presente e o futuro, em cenários tendenciais e desejados. Ou seja, ele buscará entender como o hoje molda o amanhã e como podemos agir agora para chegar aonde desejamos.

No momento atual, como exemplo, a atuação do conselho causará tanto mais impacto positivo quanto mais entender de nexos nos seguintes aspectos:

A. Relações internacionais: como as incertezas geradas por guerras e ameaças, a fragilização das redes de apoio e parcerias diplomáticas, econômicas e militares entre países (conforme haviam se configurado no pós-II Guerra Mundial) e as novas barreiras ao livre comércio afetarão o fornecimento de matérias-primas e o acesso a determinados mercados;

B. Desenvolvimento institucional brasileiro: como a instabilidade das relações de trabalho leva à incerteza quanto à disponibilidade e qualidade do capital humano para determinadas áreas de conhecimento, como a (im)previsibilidade jurídica e a (in)coerência tributária e fiscal afetam os custos esperados dos negócios e como as políticas econômicas tradicionalmente populistas dificultam a estabilidade do câmbio, dos preços e dos juros;

C. Disrupção tecnológica: como os choques tecnológicos causam maior volatilidade das preferências dos consumidores, e também como afetam o modo de produzir e a cadeia de suprimentos e logística das empresas, que são construções de médio e longo prazo;

D. Pressão por resultados: como o excesso de alternativas de investimento tornou os investidores ansiosos e como a sociedade mais informada cria maiores expectativas de resultados (inclusive não financeiros) para muito mais stakeholders, que podem nem fazer parte do grupo consumidor da empresa, mas estará sempre vigilante em relação às entregas sociais e eco-ambientais das corporações.

Claro que isso tudo afetará as decisões que a empresa deve tomar, bem como é necessário ter consciência que as decisões tomadas hoje deverão gerar os resultados desejados nestas condições específicas de realidade. Entender como o processo se retroalimenta e se propaga, gerando consequências ou evitando problemas, é função de um conselho de alto valor e impacto.

Quais mindsets são minimamente desejáveis para um conselho de alto impacto?

Durante as discussões que participei na Board Academy Br, Eduardo Gomes, MBA, CCA IBGC apresentou estudo da McKinsey[i] sobre o qual realizou algumas adaptações para ilustrar como um board de alto impacto gera valor para a sua empresa.

Esses mindsets são baseados em uma visão de mundo mais aberta, curiosa e, por consequência, criativa. Suas abordagens podem ser resumidas como:

1.      Esteja sempre curioso sobre cada elemento do seu problema, abraçando a incerteza ao invés de rejeitá-la e aprendendo com profundidade sobre todos os aspectos envolvidos;

2.      Não seja perfeccionista, tenha alta tolerância à ambiguidade e seja humilde por ter a consciência de que o conhecimento que temos é sempre provisório e incompleto (esteja aberto a mudar ao entender novas evidências);

3.      Busque uma visão abrangente através de múltiplas lentes, entenda a amplitude do ecossistema que a empresa está inserida como ponto de partida, compreendendo que devemos entender e considerar todos os stakeholders para obter uma visão 360° de um problema;

4.      Disponha sempre de uma atitude incansável de experimentação baseada em evidências, analisando sempre dados e fatos a partir de experimentos que testam hipóteses e reduzem incertezas sobre as decisões a tomar (pratique o “fail fast” para também corrigir e acertar rapidamente);

5.      Esteja convicto da inteligência coletiva e diversa, entendendo que várias mentes entregam juntas mais que a soma das suas entregas individuais, pela sua sinergia e amplitude de visão de mundo, agregando conhecimento e experiência à tomada de decisão;

6.      Seja adepto da narrativa como forma de gerar ação, engajamento e conexão do seu público perante o problema proposto, use da mesma provocação à curiosidade que trouxe o conselheiro até aqui para trazer os demais stakeholders, também, elevando a quantidade de pessoas e a qualidade das ideias do grupo de pessoas comprometidas com o todo.

Uma cultura corporativa que permite e incentiva que estes mindsets permeiem a sua governança permitirá que a empresa se adapte melhor para enfrentar desafios e capitalizar oportunidades que a disrupção apresenta. Assim, incentiva, também que ela possua um conselho de alto impacto.

O conselheiro, em conselhos permeados por tais mindsets, consegue trabalhar de forma mais assertiva para a organização a partir da sua capacidade de “unir os pontos”, estabelecendo os nexos fundamentais entre o contexto e as soluções elencadas. Ele tem maior campo de visão e massa crítica para entender nexos mais profundos tanto em termos sistêmicos quanto em termos temporais. Ora, isso implica que um conselho de alto impacto usará dessas capacidades para navegar com um plano mais robusto no mar da instabilidade, da imprevisibilidade e da incerteza.


[i] Six problem-solving mindsets for very uncertain times. Business problem solving | McKinsey. McKinsey Quarterly. 15 de setembro. 2020.

Discuta essas e outras ideias na publicação original do artigo: https://www.linkedin.com/posts/eduardomerlin_conselheiro-conselho-maisvalor-activity-7312602095965167617-AiT3

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